30 de outubro de 2016

A medicina, assim como as outras ciências, está em constante evolução. A medicina tem protocolos que variam de acordo com a época e o lugar. Mas a medicina também é arte, e arte é algo que confere liberdade. Portanto, os médicos têm a liberdade de seguir esses protocolos mais de perto ou menos de perto. Nesse ponto me sobrevém a dúvida: quando é que medicamentos devem realmente ser usados? Qualquer medicamento pode produzir reações adversas nos pacientes que são sensíveis aos seus componentes. Como saber se o paciente é sensível? Não há como saber, a não ser expondo o paciente ao medicamento. A reação do paciente ao medicamento é única e imprevisível. Pode-se, no máximo, suspeitar que a probabilidade de ocorrer seja maior ou menor, caso o paciente já tenha apresentado sensibilidade antes. Vejo, no meu dia a dia, que a maioria dos pacientes não tem a menor ideia dos possíveis efeitos indesejados decorrentes dos medicamentos que eles usam.
Antibióticos devem ser usados com critérios bem estabelecidos. Em primeiro lugar, só devem ser usados quando são realmente necessários. Em segundo lugar devem ser usados exatamente nas doses prescritas, nos horários determinados e pelo tempo indicado. Não mais, não menos. Antibióticos são excelentes armas se forem usados corretamente. Caso contrário, podem produzir mais mal do que bem. E, mesmo usados corretamente, podem produzir efeitos a curto e a longo prazo. Alguns desses efeitos são conhecidos enquanto outros só estão sendo revelados agora.
Há não muito tempo, cerca de 3 anos, antibióticos eram vendidos livremente em nosso país. O consumidor só tinha que ir à farmácia, comprar o medicamento e usar a esmo. Até que enfim a venda dos antibióticos passou a ser controlada no Brasil. A venda restrita, ou seja, apenas com prescrição médica, já acontecia em outros países há décadas. Há duas boas razões para esse controle: a possibilidade de reações adversas nos pacientes e o surgimento de bactérias resistentes aos antibióticos. No organismo há bactérias úteis, algumas até necessárias para nossa saúde, e bactérias potencialmente perigosas. Os antibióticos não eliminam todas as bactérias do organismo, apenas algumas, aquelas que são sensíveis a eles. Portanto, podem eliminar bactérias úteis também. As outras, as que sobrevivem ao antibiótico, então podem proliferar e causar outras doenças. Essas doenças são, portanto, causadas por bactérias resistentes a pelo menos um antibiótico. Essa é uma situação que está fugindo ao controle. Temos cada vez mais bactérias resistentes e menos antibióticos eficazes.
Li recentemente um relatório publicado pelo CDC (Center for Disease Control and Prevention – Centro de Controle e Prevenção de Doenças), instituição governamental de saúde, baseada nos Estados Unidos, que fala sobre os perigos da resistência bacteriana aos antibióticos. O relatório encontra-se no site: http://www.cdc.gov/…/threat-rep…/pdf/ar-threats-2013-508.pdf . Ele contém informações sobre o estado atual da resistência bacteriana aos antibióticos nos Estados Unidos. Acredita-se que cerca de 50% das prescrições de antibióticos seriam desnecessárias, ou seja, o paciente poderia ter se recuperado sem o medicamento. Também seria desnecessário o uso sistemático de antibióticos na criação de animais e produtos derivados que nos servem de alimentação. O uso indevido e o manejo inadequado de antibióticos em muito contribuem para o surgimento da resistência bacteriana. Estima-se que mais de 2 milhões de casos de doenças são provocadas por bactérias resistentes a antibióticos a cada ano. Não temos nenhum relatório sobre o assunto no Brasil.
Sabe-se que, a cada década, é cada vez menor o número de antibióticos descobertos e desenvolvidos pela indústria farmacêutica e é cada vez maior o número de bactérias resistentes aos antibióticos existentes. A situação é alarmante.
Mas a guerra sistemática contra as bactérias usa outras armas além de antibióticos. Sabonetes bactericidas e enxaguantes bucais são usados para reduzir o número de bactérias nos meios em que atuam. Não entendo por que usá-los no dia a dia, sem uma razão específica. Eles costumam destruir o equilíbrio da flora normal que habita nossa pele e boca, tornando nosso organismo mais vulnerável a doenças.
Temos que aprender a viver em equilíbrio, inclusive com as bactérias que nos habitam e que estão presentes no meio em que vivemos.

14 de outubro de 2016

NOSSO MAIOR PROBLEMA É O SE SENTIR DIFERENTE DOS OUTROS

Ser psicólogo significa ficar sabendo que as pessoas sofrem em silêncio por pensar que são problemáticas. E poucos além do psicólogo têm condições de saber o tanto que as pessoas sofrem por causa disso. Pois, na vida social do dia-a-dia, essas pessoas não aparentam problema algum, e muito menos deixam transparecer que sofrem em silêncio acreditando serem problemáticas. O psicólogo é um dos poucos com quem elas se abrem e falam a respeito. Portanto, ele é um dos poucos capazes de compreender a gravidade desse fenômeno. Pois, há pouquíssimo bom-senso na definição que as pessoas dão para ‘problema’. Geralmente, elas entendem que ‘problema’ é tudo aquilo que foi e está sendo criticado nelas com frequência pelos outros. Também é comum elas acreditarem que ‘problema’ é tudo que se encaixa num diagnóstico psiquiátrico. Será que eu sou bipolar? Será que sou esquizofrênico? Mal passa pela cabeça delas que os problemas tratáveis com a ajuda de um psicólogo são apenas aqueles que incomodam a própria pessoa, independentemente do que os outros pensam e independentemente de qualquer diagnóstico. Procurar um psicólogo por conta das reclamações dos outros não vai resolver o problema. Se a reclamação é dos outros, o problema também é deles. Se os outros reclamam tanto do nosso jeito de ser, talvez nosso problema não seja exatamente aquilo que eles criticam, mas o simples fato de nos incomodarmos tanto com o que eles dizem. Esse sim é um problema que pode ser tratado com a ajuda do psicólogo, se a pessoa quiser. Semelhantemente, independentemente de haver um diagnóstico psiquiátrico ou não, o tratamento com o psicólogo só terá sentido se a própria pessoa estiver infeliz com a vida que leva. Os diagnósticos psiquiátricos não explicam nada e não fazem com que ninguém se torne problemático por si só; a função desses diagnósticos é apontar possíveis direções para o tratamento, caso a pessoa esteja interessada.
Mas, se a situação, seja ela qual for, estiver incomodando, então estamos diante de um problema. E estamos diante de um problema simplesmente porque a situação está incomodando. Após o caso ter sido descrito e explicado, o psicólogo precisa perguntar a razão do incômodo. E não será surpresa alguma descobrir que a razão do incômodo é simplesmente a sensação de aquela situação ou dificuldade nos tornar diferentes de todos os outros. As pessoas em geral acreditam que somente elas passam por certas situações ou sofrem com algumas dificuldades, e a razão de se sentirem problemáticas é justamente o sentimento de inadequação que isso lhes causa. Todos nós vivemos num mundo de aparências, um mundo em que nos esforçamos ao máximo por esconder nossas fraquezas. Raras são as pessoas que falam abertamente de suas dificuldades; raras são as que não têm vergonha de mostrar suas falhas. No entanto, não somos capazes de fugir da humanidade que existe em cada um de nós, essa humanidade cheia de medos e dificuldades que muitas vezes não enxergamos nos outros; e o sentimento de inferioridade que se enraíza a partir daí passa a ser o verdadeiro problema. Na verdade, talvez esse seja o grande e único problema que nos aflige.
Nascemos num mundo em que as pessoas se esforçam por esconder o que sentem e o que pensam. Assim, nascemos num mundo repleto de condições para nos sentirmos sozinhos e diferentes dos outros. Cada um de nós, no fundo, é ressentido com o mundo por causa disso; alguns mais, outros menos; mas, o ressentimento é universal, creio eu. Porém, se por um lado cada um de nós se ressente com esse jeito de todo mundo ser, por outro cada um de nós também se tornou parte do mesmo problema que tanto nos magoa. Pois, nascidos num mundo governado pela aparência de perfeição, nós também nos esforçamos por passar a imagem de perfeição a todos; nós também aprendemos a esconder nossos sentimentos, maquiar nossas falhas, diminuir nossas dificuldades; também nos tornamos, para os outros, a causa de eles se sentirem diferentes de todo mundo. Não adianta reclamar das pessoas e esperar que elas mudem; não adianta esperar que elas se tornem mais abertas e sinceras a respeito de seus sentimentos para fazermos o mesmo. Em cada pessoa existe alguém que está esperando a mesma iniciativa de nossa parte. Todos esperam que os outros comecem a fazer primeiro; e, se todos esperam, ninguém faz nada. É preciso perder o medo de mostrar nossas fraquezas, nossas falhas, nossos medos, nossas dificuldades. Não adianta responsabilizar o mundo por não sabermos fazer isso. O mundo é feito de outras pessoas que também não sabem fazer o mesmo. Se ninguém sabe fazer, é preciso que todos aprendam. E isso é o tipo de coisa que a gente aprende só de ter a vontade sincera de aprender a fazer.

4 de outubro de 2016

A criança não se preocupa com o futuro. Ela confia nos adultos que cuidam dela e acredita que eles são capazes mantê-la segurança. A criança que se sente segura agora não se preocupa com sua segurança amanhã. A insegurança quanto ao futuro é experimentada agora, e quem experimenta a insegurança agora se sente inseguro agora. Assim, quem se sente seguro agora não teme o futuro; e quem não teme o futuro não precisa se preocupar com ele. Por essa razão, a criança não é nem otimista nem pessimista. Só é otimista ou pessimista quem se preocupa com o futuro, e esse tipo de preocupação não diz respeito à criança. Só se torna otimista quem aprende a se preocupar com o futuro; portanto, o otimista teme o futuro tanto quanto o pessimista. Como começamos a nos preocupar com o futuro? Começamos a nos preocupar com o futuro quando entendemos que não há nada ou ninguém que possa garantir nossa segurança no presente; e se nossa segurança no presente não está garantida, estamos sujeitos a sofrer com imprevistos desagradáveis a qualquer momento... a qualquer momento futuro. É para mitigar a ansiedade causada por essa insegurança que passamos a buscar fórmulas mágicas que nos garantam, no futuro, a segurança que não conseguimos mais encontrar no presente. Essas fórmulas podem ser encontradas em diversos lugares: Na superstição, na religião e... na crença do pensamento positivo.
Em nossa sociedade, há um culto em torno do pensamento positivo. As razões que o fundamentam até parecem sensatas. Seus defensores dizem que o desânimo não leva a lugar algum e que o pessimismo cria obstáculos invisíveis, mantendo-nos presos a eles. Dizem também que o otimismo ajuda a enxergar mais possibilidades de êxito e ainda nos dá motivação para tentar realizá-las positivamente. Tudo isso é muito verdadeiro. Mas, o esforço que as pessoas despendem para manter a atitude otimista e o pensamento positivo sempre operantes não se explica totalmente por essas razões. Há muito mais no otimismo das pessoas do que a simples necessidade de se manter a mente aberta para as possibilidades à nossa frente e a disposição em alta para enfrentá-las. É claro que há muito mais. É a simples existência do otimismo que nos denuncia esse fato. Pois, só há otimismo onde há medo do futuro, e o medo nada mais é que a crença na possibilidade de as coisas darem errado. Mas, o que é o otimismo senão a crença na possibilidade de as coisas darem certo? Não é isso, pelo menos, que o otimismo parece ser? Entretanto, quem realmente acredita que as coisas darão certo jamais se torna otimista. Quem de fato nutre essa crença vive como as crianças que nunca se preocupam com o futuro. Se o otimismo ainda persiste apesar de todo nosso esforço em acreditar que as coisas darão certo, então o medo ainda prevalece. Se o medo do futuro não prevalecesse, o otimismo não persistiria. Se o otimismo persiste, então, apesar de todo nosso esforço em acreditar na possibilidade de as coisas darem certo, a crença na possibilidade de elas darem errado ainda é maior. Nosso medo do futuro é maior que nossa confiança nele; é por isso que continuamos otimistas sempre!
A atitude otimista e o esforço em manter o pensamento positivo sempre operante são tão importantes para nós porque jamais aprendemos a enfrentar com maturidade a incerteza quanto ao futuro. Desde que perdemos aquela sensação natural de segurança da infância, direcionamos nossos esforços no intuito de encontrar alguma coisa capaz de nos devolver as certezas perdidas. Mas, as certezas que foram perdidas não podem ser reencontradas; elas nunca foram reais. O mundo real é o mundo da incerteza. Assim, enquanto as incertezas forem, para nós, sinônimo de insegurança, o medo prevalecerá sobre a confiança. Ao invés de sair buscando por certezas, deveríamos ter aprendido a amadurecer nossa relação com a incerteza; deveríamos ter aprendido a encontrar a segurança na incerteza. Não fizemos isso. A lembrança das certezas perdidas era doce demais, e quem já viveu na certeza não aceita a incerteza assim tão facilmente. O esforço de viver buscando no pensamento positivo a certeza de que tudo dará certo produziu em nós tal intolerância com a incerteza do futuro que o menor pensamento de dúvida ou desânimo se tornou capaz de produzir em nós uma ansiedade insuportável. A incerteza se tornou nossa grande fobia. E, para manter essa fobia sob controle, precisamos nos entorpecer com doses diárias cavalares de otimismo e pensamento positivo. É preciso se embebedar de otimismo, mergulhar de cabeça no tonel do pensamento positivo até que a crença num futuro seguro e convidativo se torne delirante. Somos viciados no otimismo; e ao nos deixarmos viciar pelo otimismo, nos tornamos prisioneiros do medo.