12 de agosto de 2016

UM SÓBRIO PEDIDO DE DESCULPAS NUNCA É DEMAIS
Temos dificuldade em pedir desculpas. Preferimos deixar que o tempo resolva as coisas. Somos educados para não deixar transparecer nossas mágoas, para passar por cima de pequenas ofensas, para engolir pequenos “sapos”; somos treinados, enfim, para tratar as pessoas que nos magoaram como se nada tivesse acontecido. Assim, quando estamos em falta com alguém, contamos que essa educação e o desejo da outra pessoa continuar de bem com a gente ajude-a a passar por cima do acontecido sem precisarmos nos retratar. Por que agimos assim? Pedir desculpas significa abandonar nossa posição e abrir mão de nossas razões para dar razão ao outro. Esse abandono e esse bater em retirada podem doer bastante quando, no conflito com alguém, a única coisa que nos resta é nossa posição e nossas razões. Numa situação de conflito, o outro em geral também nos machuca; ele também não abandona suas razões e sua posição. Na angustia e na solidão de termos sido machucados por quem não nos dá razão, a única coisa que nos resta é o apego à nossa posição e às razões que temos para também tê-lo machucado. Pode ocorrer também que o outro tenha suas razões para ficar chateado com algo que fizemos sem que a situação envolva conflito: O descumprimento de uma promessa, de um combinado, ou outra coisa qualquer que, aos seus olhos, configure uma falta nossa. Nesse caso, nossa tendência para deixar o tempo resolver as coisas é ainda maior. Fingimos que esquecemos e esperamos que o outro finja ter esquecido que fingimos ter esquecido. Amedronta-nos o fato que, nesse tipo de situação, as razões que temos para ter quebrado uma promessa ou um combinado não seriam aceitas nem por nós mesmos se estivéssemos na condição dele. E como enfrentar as cobranças de alguém quando a única coisa que temos são razões que nem nós mesmos aceitaríamos em seu lugar?
Abandonar nossa posição e abrir mão de nossas razões significa baixar a guarda e nos expor ao outro; significa abandonar uma posição bem guardada para ocupar outra que é frágil e abrir mão das próprias razões para dar razão a outra pessoa. Por medo dessas conseqüências, mantemo-nos firmes em nossa posição e em nossas razões. Mas, não percebemos que a miséria de estarmos privados da relação com o outro torna qualquer posição frágil e qualquer razão sem sentido. Não há posição mais frágil que a do isolamento afetivo e não há razão que seja suficiente quando usada para convencer a nós e ao outro que estivemos certos ao machucá-lo ou ao faltar com ele. O esforço de se manter no isolamento afetivo e de ruminar as razões que justificam nossas ações é extenuante, desgastante e nos fragiliza emocionalmente. A fragilidade emocional resultante de todo esse esforço é muito maior que a temida por nós no ato de pedir desculpas. Apegar-se às nossas razões quando estamos privados de dar nosso afeto a outra pessoa e de receber dela o seu é apegar-se à miséria. E quando a miséria é a única coisa que nos resta, as considerações sobre se nossas razões são corretas ou não se tornam irrelevantes. Ainda que estejamos convictos de não ter sido possível agir de outra forma, há uma pessoa na relação com a qual o afeto se tornou sufocado no processo. Em vista disso, relaxar as defesas e pedir desculpas produz um efeito libertador. A sensação de libertação é evidente quando, pelo menos de nossa parte, abandonamos a posição do isolamento afetivo, paramos de ruminar nossas razões e manifestamos nosso pesar pelos sentimentos de uma pessoa que se machucou por algo que fizemos.
Que importa se a razão está do nosso lado ou não? Mais que pedir desculpas pelo que fizemos, devemos nos desculpar pelo sofrimento que provocamos nos outros. Se há alguém sofrendo por nossa causa, pouco importa se as razões para agir como agimos são suficientes ou não. Um pedido sóbrio e sincero de desculpas nos liberta, nos reaproxima do outro e pode sensibilizá-lo. E, mesmo que ele não se sensibilize e se mantenha ressentido, pelo menos de nossa parte as vias do afeto estarão abertas novamente; estaremos livres do peso de sustentar razões sem sentido e de nos mantermos na insustentável posição do isolamento afetivo. Já que não podemos voltar atrás e desfazer o que já está feito, pelo menos agora estaremos fazendo o possível para que as coisas se consertem. Fazemos a nossa parte e aceitamos a decisão que o outro tomar. Isso já é suficiente para aliviar o peso em nosso coração.

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