UM SÓBRIO PEDIDO DE DESCULPAS NUNCA É DEMAIS
Temos dificuldade
em pedir desculpas. Preferimos deixar que o tempo resolva as coisas.
Somos educados para não deixar transparecer nossas mágoas, para passar
por cima de pequenas ofensas, para engolir pequenos “sapos”; somos
treinados, enfim, para tratar as pessoas que nos magoaram como se nada
tivesse acontecido. Assim, quando estamos em falta com alguém, contamos
que essa educação e o desejo da outra pessoa continuar de bem com a
gente ajude-a a passar por cima do acontecido sem precisarmos nos
retratar. Por que agimos assim? Pedir desculpas significa abandonar
nossa posição e abrir mão de nossas razões para dar razão ao outro. Esse
abandono e esse bater em retirada podem doer bastante quando, no
conflito com alguém, a única coisa que nos resta é nossa posição e
nossas razões. Numa situação de conflito, o outro em geral também nos
machuca; ele também não abandona suas razões e sua posição. Na angustia e
na solidão de termos sido machucados por quem não nos dá razão, a única
coisa que nos resta é o apego à nossa posição e às razões que temos
para também tê-lo machucado. Pode ocorrer também que o outro tenha suas
razões para ficar chateado com algo que fizemos sem que a situação
envolva conflito: O descumprimento de uma promessa, de um combinado, ou
outra coisa qualquer que, aos seus olhos, configure uma falta nossa.
Nesse caso, nossa tendência para deixar o tempo resolver as coisas é
ainda maior. Fingimos que esquecemos e esperamos que o outro finja ter
esquecido que fingimos ter esquecido. Amedronta-nos o fato que, nesse
tipo de situação, as razões que temos para ter quebrado uma promessa ou
um combinado não seriam aceitas nem por nós mesmos se estivéssemos na
condição dele. E como enfrentar as cobranças de alguém quando a única
coisa que temos são razões que nem nós mesmos aceitaríamos em seu lugar?
Abandonar nossa posição e abrir mão de nossas razões significa baixar a
guarda e nos expor ao outro; significa abandonar uma posição bem
guardada para ocupar outra que é frágil e abrir mão das próprias razões
para dar razão a outra pessoa. Por medo dessas conseqüências,
mantemo-nos firmes em nossa posição e em nossas razões. Mas, não
percebemos que a miséria de estarmos privados da relação com o outro
torna qualquer posição frágil e qualquer razão sem sentido. Não há
posição mais frágil que a do isolamento afetivo e não há razão que seja
suficiente quando usada para convencer a nós e ao outro que estivemos
certos ao machucá-lo ou ao faltar com ele. O esforço de se manter no
isolamento afetivo e de ruminar as razões que justificam nossas ações é
extenuante, desgastante e nos fragiliza emocionalmente. A fragilidade
emocional resultante de todo esse esforço é muito maior que a temida por
nós no ato de pedir desculpas. Apegar-se às nossas razões quando
estamos privados de dar nosso afeto a outra pessoa e de receber dela o
seu é apegar-se à miséria. E quando a miséria é a única coisa que nos
resta, as considerações sobre se nossas razões são corretas ou não se
tornam irrelevantes. Ainda que estejamos convictos de não ter sido
possível agir de outra forma, há uma pessoa na relação com a qual o
afeto se tornou sufocado no processo. Em vista disso, relaxar as defesas
e pedir desculpas produz um efeito libertador. A sensação de libertação
é evidente quando, pelo menos de nossa parte, abandonamos a posição do
isolamento afetivo, paramos de ruminar nossas razões e manifestamos
nosso pesar pelos sentimentos de uma pessoa que se machucou por algo que
fizemos.
Que importa se a razão está do nosso lado ou não? Mais
que pedir desculpas pelo que fizemos, devemos nos desculpar pelo
sofrimento que provocamos nos outros. Se há alguém sofrendo por nossa
causa, pouco importa se as razões para agir como agimos são suficientes
ou não. Um pedido sóbrio e sincero de desculpas nos liberta, nos
reaproxima do outro e pode sensibilizá-lo. E, mesmo que ele não se
sensibilize e se mantenha ressentido, pelo menos de nossa parte as vias
do afeto estarão abertas novamente; estaremos livres do peso de
sustentar razões sem sentido e de nos mantermos na insustentável posição
do isolamento afetivo. Já que não podemos voltar atrás e desfazer o que
já está feito, pelo menos agora estaremos fazendo o possível para que
as coisas se consertem. Fazemos a nossa parte e aceitamos a decisão que o
outro tomar. Isso já é suficiente para aliviar o peso em nosso coração.
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