18 de março de 2014

A Morte



Perdas não são fáceis. Principalmente de pessoas queridas e que nos trazem boas lembranças, que fazem parte do nosso cotidiano e deixam um vazio tanto internamente como externamente. Nesse processo, tomamos consciência de nossa própria finitude, e consequentemente nos perguntamos qual o sentido desse percurso que chamamos de vida, e que parece vir do nada e terminar no mesmo lugar de onde veio. Como falar então dessa experiência tão intensa e muito difícil de ser comentada por se referir ao vazio de significado, ao silêncio, ao luto.
Quando convivemos com alguém, aquela existência passa a fazer parte da nossa. Existe um grau de simbiose nas relações profundas e duradouras. A pessoa se torna parte de nós visceralmente. A experiência dessa perda pode ser comparável, em alguns graus, à perda de uma parte de nosso próprio corpo, pois vivemos o mundo em carne. Essa perda nos releva também nossa impotência e incapacidade de controle frente à vida. Um evento súbito pode destruir nossas estruturas, sonhos e planos como se fossem castelos de cartas ao vento, nos mostrando principalmente que não somos aquilo que perdemos, e muito menos temos controle absoluto a respeito.
Tarô de Marselha-Camoin
Para entendermos um pouco sobre o inominável, acredito importante discutir a morte enquanto símbolo coletivo e representado pela carta número treze no tarô. Ela é famosa por representar a morte, no entanto é a única carta dos arcanos maiores que não possui nome, apenas número. Isso representa a característica inominável da morte – não se fala sobre a morte – como não se “escuta” o som nas pausas de uma música, as palavras precisam de espaços que as separem para serem compreendidas e a experiência de morrer que inevitavelmente teremos todos em silêncio. O numero treze pode ser interpretado como a superação do anterior, o doze, que tem várias representações relacionadas a ciclos (entre elas o ciclo dos doze signos do zodíaco, os doze meses do ano). O treze seria o rompimento dos ciclos, e, por consequência, da continuidade da vida na forma como a conhecemos. Jesus com seus doze apóstolos na santa ceia, onde revela que haverá um traidor entre eles e sua posterior crucificação é um exemplo da simbologia do numero ligada ao fim, assim como justifica, em parte, a superstição em torno dele. O esqueleto representa aquilo que temos de mais primordial, e que se preserva mesmo após a morte, assim como as cartas do castelo continuam intactas, apenas o castelo em si ruiu. A foice em um campo de restos humanos representa a colheita, indicando que, assim como o trigo de uma plantação, estamos prontos para sermos colhidos e utilizados para os propósitos incompreensíveis do ciclo de vida e morte. Assim como o trigo não sabe que se tornará farinha e depois pão, somos inconscientes do nosso propósito último de existência e nem se ele existe.
A busca por um propósito que justifique nossa existência é o grande motivo do surgimento das religiões. A angústia por não compreendermos de forma consciente porque estamos aqui vivendo, nos leva a essa busca pela transcendência na expectativa de descobrirmos o que esse “ceifador” deseja de nós afinal. Nesse sentido, a religiosidade faz parte de nossa estrutura psicológica, mesmo que nem sejamos religiosos, pois necessariamente precisamos de um sentimento de propósito para nossa existência para conseguir seguir em frente. A fé apenas se desloca para outros propósitos e crenças, mas não pode ser totalmente retirada. Sempre existirá algo fundamental que não daremos conta de questionar efetivamente por representar as nossas certezas e motivos de existência.
No filme O Sétimo Selo (1956) de Ingmar Bergman, um cavaleiro medieval, em meio a peste negra, tenta vencer a Morte em um jogo de xadrez a fim salvar sua vida e buscando um propósito para ela.
 A morte então, para além apenas de um processo de sofrimento, é também um trampolim para darmos outros significados a vida e possibilitar sua renovação. Ela é necessária em nossas vidas para que possamos criar novas realidades para nós mesmos e nos permitir arriscar novas experiências e novos castelos de cartas, de areia ou quem sabe de tijolos – a vida levará todos eles – e esses ciclos trarão alegrias e tristezas, e cima de tudo, movimento e criação. Não existe criatividade sem morte e angustia que sejam seus motores. 
Para além desses ciclos (numero treze, superando o doze, como falamos antes) as questões reais são - por que estamos fadados a construir castelos que serão destruídos? Qual o sentido da vida? – se você não tem nomes para isso, mas sente de forma inominável alguma coisa com essas perguntas, significa que algo ai dentro se move rumo ao novo e a uma experiência mais profunda de existência.
Reblogado de Psicolinebrasil

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