A Morte
Perdas não são fáceis. Principalmente de pessoas queridas e
que nos trazem boas lembranças, que fazem parte do nosso cotidiano e deixam um
vazio tanto internamente como externamente. Nesse processo, tomamos consciência
de nossa própria finitude, e consequentemente nos perguntamos qual o sentido desse
percurso que chamamos de vida, e que parece vir do nada e terminar no mesmo
lugar de onde veio. Como falar então dessa experiência tão intensa e muito difícil
de ser comentada por se referir ao vazio de significado, ao silêncio, ao luto.
Quando convivemos com alguém, aquela existência passa a
fazer parte da nossa. Existe um grau de simbiose nas relações profundas e
duradouras. A pessoa se torna parte de nós visceralmente. A experiência dessa
perda pode ser comparável, em alguns graus, à perda de uma parte de nosso
próprio corpo, pois vivemos o mundo em carne. Essa perda nos releva também
nossa impotência e incapacidade de controle frente à vida. Um evento súbito pode
destruir nossas estruturas, sonhos e planos como se fossem castelos de cartas
ao vento, nos mostrando principalmente que não somos aquilo que perdemos, e
muito menos temos controle absoluto a respeito.
Tarô de Marselha-Camoin |
Para entendermos um pouco sobre o inominável, acredito
importante discutir a morte enquanto símbolo coletivo e representado pela carta
número treze no tarô. Ela é famosa por representar a morte, no entanto é a
única carta dos arcanos maiores que
não possui nome, apenas número. Isso representa a característica inominável da
morte – não se fala sobre a morte – como não se “escuta” o som nas pausas de
uma música, as palavras precisam de espaços que as separem para serem
compreendidas e a experiência de morrer que inevitavelmente teremos todos em
silêncio. O numero treze pode ser interpretado como a superação do anterior, o
doze, que tem várias representações relacionadas a ciclos (entre elas o ciclo
dos doze signos do zodíaco, os doze meses do ano). O treze seria o rompimento
dos ciclos, e, por consequência, da continuidade da vida na forma como a
conhecemos. Jesus com seus doze apóstolos na santa ceia, onde revela que haverá
um traidor entre eles e sua posterior crucificação é um exemplo da simbologia
do numero ligada ao fim, assim como justifica, em parte, a superstição em torno
dele. O esqueleto representa aquilo que temos de mais primordial, e que se
preserva mesmo após a morte, assim como as cartas do castelo continuam
intactas, apenas o castelo em si ruiu. A foice em um campo de restos humanos
representa a colheita, indicando que, assim como o trigo de uma plantação,
estamos prontos para sermos colhidos e utilizados para os propósitos incompreensíveis
do ciclo de vida e morte. Assim como o trigo não sabe que se tornará farinha e
depois pão, somos inconscientes do nosso propósito último de existência e nem
se ele existe.
A busca por um propósito que justifique nossa existência é o
grande motivo do surgimento das religiões. A angústia por não compreendermos de
forma consciente porque estamos aqui vivendo, nos leva a essa busca pela transcendência
na expectativa de descobrirmos o que esse “ceifador”
deseja de nós afinal. Nesse sentido, a religiosidade faz parte de nossa
estrutura psicológica, mesmo que nem sejamos religiosos, pois necessariamente
precisamos de um sentimento de propósito para nossa existência para conseguir
seguir em frente. A fé apenas se desloca para outros propósitos e crenças, mas
não pode ser totalmente retirada. Sempre existirá algo fundamental que não
daremos conta de questionar efetivamente por representar as nossas certezas e
motivos de existência.
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No filme O Sétimo Selo (1956) de Ingmar Bergman, um cavaleiro medieval, em meio a peste negra, tenta vencer a Morte em um jogo de xadrez a fim salvar sua vida e buscando um propósito para ela. |
A morte então, para além apenas de um processo de
sofrimento, é também um trampolim para darmos outros significados a vida e
possibilitar sua renovação. Ela é necessária em nossas vidas para que possamos
criar novas realidades para nós mesmos e nos permitir arriscar novas
experiências e novos castelos de cartas, de areia ou quem sabe de tijolos – a vida
levará todos eles – e esses ciclos trarão alegrias e tristezas, e cima de tudo, movimento e criação. Não existe
criatividade sem morte e angustia que sejam seus motores.
Para além desses ciclos (numero treze, superando o doze,
como falamos antes) as questões reais são - por que estamos fadados a construir
castelos que serão destruídos? Qual o sentido da vida? – se você não tem nomes para isso, mas sente de
forma inominável alguma coisa com essas perguntas, significa que algo ai dentro
se move rumo ao novo e a uma experiência mais profunda de existência.
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